Patricia Finotti

(crédito: I Encontro de Culturas Literário)

Ana Paula Mota

De 15 a 17 de abril, sexta a domingo, a Vila de São Jorge, porta de entrada do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, será palco para uma efusão de manifestações literárias nacionais, originárias das mais diversas partes do país, em especial aquelas que mergulham nas narrativas e olhares sobre nossos sertões e periferias. O projeto é uma extensão do Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros, que já acontece há 22 anos, e esta será sua primeira edição. É realizado pela Casa de Cultura Cavaleiro de Jorge, financiado pelo Fundo de Arte e Cultura de Goiás (da Secretaria de Cultura de Goiás), e terá mesas literárias, feira de livros, contação de histórias, saraus, show, espetáculo, oficinas, doações de livros e intervenções artísticas.

Segundo seus realizadores, a intenção desta diversificação do Encontro de Culturas Tradicionais é justamente promover ainda mais transformações sociais e culturais, além daquelas já percebidas ao longo de mais de duas décadas de trabalho, agora por meio da difusão e democratização do acesso ao livro e à leitura. “O Encontro de Culturas Literário começa com uma conversa sobre a romaria do Muquém, que acontece ao nosso lado, retratada no livro ‘O Ermitão do Muquém’, de Bernardo Guimarães”, conta Juliano George Basso, coordenador geral do evento. “O primeiro livro considerado regionalista no Brasil, essa linha da literatura que faz nos reconhecermos dentro das histórias, nos inspirarmos com as comunidades tradicionais com as quais trabalhamos nos projetos da Casa de Cultura. Vamos mostrar as muitas obras em que os povos dos sertões do Brasil são os protagonistas de suas próprias histórias. Com eles vivemos e buscamos o processo descolonial do Brasil, para algum dia o Brasil ser o que realmente é”.

Diversidade e ancestralidade na seleção de 10 autores brasileiros

Em edital lançado anteriormente, dez escritores foram selecionados para participar da programação do Encontro de Culturas Literário. Eles participam das mesas literárias e alguns também oferecem oficinas à comunidade. As categorias criadas pelos organizadores do evento garantiram a participação de autores representativos de um Brasil profundo e da escrita das periferias.

Desta forma, estarão em São Jorge autoras e autores de diversas partes do país. São elas e eles: Tiago Hakiy (AM) e Julie Dorrico (RO), como autores indígenas; Ana Mumbuca (TO) e Josias Marinho (RR), como autores quilombolas; Juliana do Nascimento (RJ) e Maria Elisabete Pacheco (CE), como contadoras de histórias; Julie Oliveira (CE) e Rouxinol do Rinaré (CE), como cordelistas; e Adiel Luna (PE) e Michel Yakini-Iman (SP), com escritores populares/regionalistas. A seleção foi feita por dois curadores: Larissa Mundim, escritora, editora, livreira e jornalista, e Paulo José da Silva, escritor e jornalista, editor dos livros “A história dos garimpos de cristal da Chapada dos Veadeiros”, de José Raimundo de Oliveira, e “Minhas aventuras na Chapada dos Veadeiros”, de Domingos Soares de Farias.

Mesas Literárias

Ao longo dos três dias de evento, os autores e autoras selecionados pela curadoria farão parte das mesas literárias temáticas, que acontecem na Casa de Cultura Cavaleiro de Jorge, com a mediação de Augusto Niemar, escritor e professor de Literatura da UnB. O objetivo destes diálogos é propor caminhos para formação de leitores e de novos criadores, além de tratar sobre a forma como cada escritor elabora sua arte.

A primeira mesa será na sexta-feira (15), das 15h às 17h, com Adiel Luna, de Pernambuco, e Michel Yakini-Iman, de São Paulo. O tema será “Literatura regionalista e popular brasileira: heranças e margens em letra e voz”. Na sequência, das 17h às 19h, será a vez da mesa “Literatura de Cordel: leitura e educação em ativismo e feminismo”, com Rouxinol do Rinaré e Julie Oliveira, ambos do Ceará.

No sábado (16), acontecem as mesas 3 e 4, nos mesmos horários do dia anterior. A primeira, às 15h, será com os autores indígenas, com o tema “Pertencimento e ancestralidade – culturas e narrativas poéticas”, com Tiago Hakyi, do Amazonas, e Julie Dorrico, de Rondônia. Em seguida, às 17h, é a vez dos autores quilombolas. Esta mesa tem o tema “Corpos negros em confluências – vozes e ilustrações”. Os escritores desse diálogo serão Josias Marinho, de Roraima, e Ana Mumbuca, do Tocantins.

No domingo (17), acontecem as duas mesas finais. Às 15h, entram em cena as contadoras de histórias falando sobre “leitura e educação em ativismo e feminismo”. São elas a escritora Maria Elisabete Pacheco Almeida, do Ceará, e Juliana do Nascimento Correia, do Rio de Janeiro. Por fim, às 17h, a mesa 6 será uma grande roda de conversa sobre a literatura goiana e a literatura na Chapada dos Veadeiros. Participarão desta mesa vários autores goianos, com mediação da escritora Sinvaline Pinheiro, de Uruaçu (GO).

Comunidade de São Jorge integra Encontro

Antes mesmo do início do evento, várias ações voltadas às crianças e jovens estudantes das escolas públicas locais já estão acontecendo na Vila de São Jorge como iniciativas do Encontro de Culturas Literário. Entre elas está a criação do foto-livro “Árvore das Alembranças”, que está sendo criado com 17 estudantes. O conteúdo desta obra será formado com as memórias das famílias e da própria Vila de São Jorge. A coordenação do trabalho é da professora Luciana Meirelles, educadora da pedagogia Griô*, e do arte-educador e fotógrafo Lucas Viana, com a orientação de Lilian Pacheco, criadora da Pedagogia Griô. O foto-livro será impresso e lançado no primeiro dia do Encontro de Culturas Literário.

Além disso, a Escola Pública da Vila de São Jorge receberá a intervenção do artista Jhon Bermond para a revitalização da sua fachada e de seus Cantinhos de Leitura. Cantinhos estes que durante o evento receberão a doação de livros arrecadados em campanha. O muro da escola, que é voltado para a rua, será transformado em um mural de arte, com as ilustrações de Jhon Bermond e também grandes lambe-lambes com fotografias feitas pelos estudantes da vivência griô das mestras da comunidade, com o apoio do Coletivo Transverso (DF) para a impressão e aplicação das obras em formato de lambe.

Jhon Bermond é um ilustrador capixaba que trabalha a partir da pluralidade de linguagens artísticas e de matérias-primas. Sua obra utiliza pigmentos naturais e ilustra suas próprias histórias de vida e de caminhada. Acompanham seus desenhos alguns textos, poesias, letras de cantigas populares e até depoimentos. Segundo o artista, a dimensão textual amplia as possibilidades de cada obra, além de fornecer referências sobre o local, personagem ou costume retratado.

Outra participação importantíssima, é da Turma Que Faz, que é um coletivo que também está se preparando há mais de mês para se apresentar no Encontro. Eles preparam um espetáculo baseado no livro “O Hermitão do Muquém”, o primeiro livro regionalista do Brasil, escrito por Bernardo Guimarães. A adaptação do texto foi feita por Lia Motta e Dado Mendes e a criação terá duas apresentações, uma no sábado (16) e outra no domingo (17).

Buscando o engajamento de todos os estudantes das escolas públicas de São Jorge no Encontro de Culturas Literário, os professores da região estão fazendo um estudo desta obra junto aos jovens, para que ocorra a sensibilização prévia para a apreciação do espetáculo.

  A Turma que Faz atua por meio de atividades educativas, artísticas, culturais, esportivas e ambientais, que utilizam a arte e o meio ambiente como linguagem sensibilizadora e realizadora. Projeto nascido em 2003, na Vila de São Jorge, pelas mãos da arte-educadora e musicista Doroty Marques, desde então vem mudando a vida de muitas crianças e adolescentes da região.

Algumas oficinas acontecem antes mesmo do início do evento, junto aos estudantes das escolas públicas de São Jorge, criando assim um vínculo ainda maior com a comunidade local. A exemplo está a oficina Rimas do Improviso, com Made in Chapada, que fará um trabalho especial com a Turma Que Faz, no dia 08. Já no dia 11, será a vez desses mesmos oficineiros se juntarem a outro professor, o Sabiá Canuto, que irá trabalhar com Isogravura e criação de livros manuais. Essa atividade será com os alunos das escolas públicas. Na véspera da abertura do Encontro, dias 13 e 14, o Coletivo Transverso continuará sua oficina de lambe-lambe, com colagens no muro da escola, enquanto Jhon Bermond cria obras para o Cantinho da Leitura, na Escola Dona Lindu. 

Oficinas abertas ao público em geral

Além das mesas literárias, das intervenções e apresentações artísticas, dos saraus e feira de livros, nestes três dias também será possível participar de diversas oficinas de criação. Entre elas, a “Oficina Rimas do improviso” com o Coletivo Made in Chapada; a oficina “Folha: palavra-solta cura”, com o poeta Ciro Gonçalves e Seu Adelídeo Raizeiro; a oficina “Cordel: técnicas, histórias e práticas”, com o autor selecionado Rouxinol do Rinaré, do Ceará; e por fim, a oficina/palestra “Meu nome é Ceilândia do RAP e do Repente – a arte da rima e do improviso como expressão da resistência cultural periférica”, ministrada por Sabiá Canuto.

As oficinas também estão sendo realizadas no período anterior ao evento, com foco nos estudantes das escolas públicas da Vila de São Jorge. Uma delas é a oficina “Lambe-lambe e Poesia”, com o Coletivo Transverso, que vai espalhar lambes por toda a Vila, preparando a comunidade para o tema do Encontro. “Um dos maiores objetivos deste Encontro é incentivar a leitura e democratizar o acesso aos livros das crianças e jovens da comunidade de São Jorge. Nosso foco em 2022, como Casa de Cultura Cavaleiro de Jorge, é fortalecer nossas ações voltadas à educação no território da Chapada dos Veadeiros”, explica Juliano George Basso.

e-cêntrica:

Feira de livros consagrada em Goiânia também estará no Encontro

A feira e-cêntrica é um espaço de formação, debate e comercialização de livros especiais, zines, artes gráficas e fotografia, com foco na produção independente. Realizada pela Nega Lilu Editora, com curadoria de Larissa Mundim, acolhe o trabalho autoral de artistas gráficos, visuais, coletivos criativos, selos literários e autoras e autores autopublicados.

Idealizada a partir da e-centrica.org, apresenta-se como uma iniciativa de apoio à inovação no mercado editorial a partir da revisão de processos criativos/produtivos, do fortalecimento de agentes sub-representados e do redimensionamento do papel estratégico dos agentes que compõem a cadeia produtiva do livro.

Originalmente, a feira e-cêntrica se realiza em Goiânia, com itinerância por Pirenópolis e Cidade de Goiás. Sua primeira edição na Chapada dos Veadeiros vai ocorrer durante o Encontro de Culturas Literário, de 15 e 17 de abril, na Praça do Encontro, com a Casa de Cultura Cavaleiro de Jorge.

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